Entrevista com Cesar Bravo
Cesar Bravo nasceu em 27 de junho de 1977, em Monte Alto, interior de São Paulo. É um escritor brasileiro, autor de romances e contos, além de organizador de antologias. Sua obra é voltada principalmente para os gêneros do horror e do suspense.
Bravo também atua como um dos editores da DarkSide Books, fundada em 2012, a primeira editora brasileira dedicada exclusivamente à literatura fantástica e criminal.
Vamos às 7 perguntas capitais:
1) É comum lembrarmos com carinho do início da nossa relação com o cinema. Os filmes ruins que nos marcaram, os cinemas frequentados (que hoje, provavelmente, estão fechados), as extintas locadoras de VHS e DVD que faziam parte do nosso cotidiano. Conte-nos um pouco de como é sua relação com a 7ª arte. Quando nasceu sua paixão pelo cinema?
C.B.: Lembro-me dessas coisas com um nó na garganta, especialmente das locadoras. Nunca fui um frequentador assíduo de cinemas, embora goste muito. O problema é que prefiro me concentrar de verdade enquanto assisto a um longa, e conversas paralelas (quase inevitáveis no cinema) sempre me distraem e irritam profundamente.
Não sei bem onde terminam os filmes e começa a escrita, no meu caso. Minha imaginação e meu processo de criação são extremamente visuais, então ouso dizer que, sem a sedução prévia da Sétima Arte, talvez eu não tivesse me apaixonado tão cedo pela literatura de horror.
Comecei no gênero na década de 1980, e uma das memórias mais sólidas da minha infância é a do meu pai chegando em casa com um punhado de fitas VHS. As mais “violentas” (Stallone Cobra, Predador, muito violentas...) ficavam com ele, mas eu sempre arrumava um jeito de assistir escondido. Honestamente, não me lembro de um único dia em que não tenha amado o horror. Então, essa paixão deve mesmo ter nascido comigo.
2) Com relação às suas preferências cinematográficas, há uma lista dos filmes de sua vida? Um Top 10 ou mesmo o filme mais importante?
C.B.: Já que falamos há pouco de memória afetiva, vou seguir por esse caminho. Eu devia ter por volta de nove ou dez anos quando o cinema da nossa cidadezinha exibiu A Volta dos Mortos Vivos. Lembro dos zumbis punks no cartaz colorido, do fala-fala da molecada... mas nunca cheguei a assistir àquele filme na telona. Meus pais jamais permitiriam, eu era muito novo para “aqueles filmes horríveis” e blá-blá-blá.
Como sempre acontece desde o Éden, a proibição despertou a busca pelo fruto proibido. E até hoje (pelo menos uma vez por ano) eu revisito e me divirto com A Volta dos Mortos Vivos. Existe algo mágico ali: a mistura perfeita entre horror e humor, o punk, a Trash dançando nua entre os túmulos. O que mais posso dizer? Eu amo aquilo.
Se tivesse que acrescentar mais dois à lista, seriam A Morte do Demônio e Hellraiser. E há um valor afetivo altíssimo reservado para Cemitério Maldito, de 1989 (só o de 1989!).
3) O seu livro "VHS" é uma verdadeira cápsula do tempo. Ele veio de uma necessidade pessoal de se comunicar sobre esta onda nostálgica que contagiou a todos? E em que momento essa ideia tomou forma?
C.B.: Eu nunca deixei aqueles anos. De alguma forma, minha narrativa, meus padrões conceituais, tudo o que produzo ainda se relaciona com a melhor década de todos os tempos. Quando a ideia inicial de VHS surgiu, refletimos bastante sobre o que teria esse poder de consolidação sobre meus textos, um ponto comum entre as diferentes formas de horror que eu pretendia abordar. Acabamos voltando nossos olhos para os anos 1980, onde a inventividade e a variedade de temas eram extremas.
A concepção do projeto nasceu quase como uma composição musical, quando percebemos que muitos textos se relacionavam com canções da época, algumas mencionadas diretamente. A partir daí, foi questão de voltar os olhos para Três Rios, minha região amaldiçoada, e descobrir seus segredos mais obscuros. Todo o processo de pesquisa e imersão levou aproximadamente dois anos, muito mais que meu primeiro livro, Ultra Carnem, que nasceu em apenas seis meses.
4) "A vida é uma peça de teatro que não permite ensaios. Por isso, cante, chore, dance, ria e viva intensamente, antes que a cortina se feche e a peça termine sem aplausos". Considerando a reflexão, há alguma experiência vivida no meio artístico que foi especialmente marcante?
C.B.: Tenho um texto mais antigo chamado Um Nome para Sua História. Na época em que o escrevi, eu trabalhava em uma empresa de prestação de serviços na construção civil. Fazíamos de tudo um pouco, de instalação de portas a desentupimento de esgotos, e, num belo dia, surgiu um chamado desesperado de um escritor da região. O cara era podre de rico e estava lidando com uma infestação de pombos no sótão.
Bem, espantamos os pombos, desentupimos as calhas, vedamos o telhado e saímos cobertos de merda e todo tipo de porcaria até o pescoço (e além). Quando voltei para casa, imaginei uma história em que o sujeito da empresa de reparos encontra um cartão prateado com um número de telefone e faz um pacto com uma figura sinistra, em troca da mesma fama e sucesso daquele escritor bem-sucedido.
Sempre que releio esse texto, começo a rir sozinho. Naquela época, nem nos meus sonhos mais otimistas eu imaginava ser publicado, e você sente isso em cada linha. Atualmente, o texto está em processo de revisão, mas logo deve ser disponibilizado novamente.
5) Imagine o cenário: você é um escritor (de qualquer país) clássico enquanto ele escreve algo memorável. Quem seria, qual livro, e por que essa experiência seria tão marcante para você?
C.B.: Não sou exatamente um escritor clássico, mas gosto muito do trabalho de H.P. Lovecraft. Apesar das ressalvas quanto ao seu racismo bizarramente equivocado e à sua xenofobia tóxica, eu gostaria muito de ter estado por perto quando Mr. Lovecraft recebeu o chamado de Cthulhu, aquele que acabou publicado na Weird Tales, em 1928.
Existe algo de tão novo e transcendental na criação desse mito, que ele persiste até hoje: vivo, porém morto, à espera de escritores modernos que se entreguem àquela mesma loucura sonhando.
6) Fazer cinema envolve muitas variáveis. Esforço, investimento, paixão, talento... E a sinergia destes elementos faz o resultado. Qual trabalho em sua carreira considera o melhor?
C.B.: Não tenho um trabalho específico que me deixe com essa sensação, mas me orgulho de onde consegui chegar com meu próprio esforço, sem subornos, falcatruas, sem enganar ou passar rasteiras em ninguém. No começo, só existia uma pessoa que acreditava que um dia eu poderia chegar onde estou hoje: eu mesmo. Em um segundo momento, recebi o apoio de muita gente, principalmente de minha esposa, além de grandes amigos e parceiros, e por isso sou grato.
M.V.: E quanto a arrependimentos? Ou, caso não tenha, faria algo diferente?
C.B.: Arrependimentos, não tenho nenhum, porque se trata de uma energia destrutiva, que nos trava em vez de impulsionar. Talvez eu tivesse começado a levar a escrita a sério muito antes, mas também acredito que tudo tem a hora certa para acontecer.
7) Para finalizar, deixe uma frase ou pensamento envolvendo o cinema que representa você.
C.B.: Creio que Marty McFly (De Volta para o Futuro) tenha me representado na escrita quando fritou uma Gibson EDS-345 e disse: “Vocês ainda não estão preparados para isso. Mas seus filhos vão adorar.”
M.V.: Memorável. Obrigado, amigo. A gente se vê nos livros.