Entrevista com Fernando Reule

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Fernando Reule é um experiente artista de efeitos visuais, atuando como Environment Generalist e Matte Painter há mais de duas décadas na indústria do entretenimento. Natural da Ilha do Governador, no Rio de Janeiro, e atualmente baseado em Vancouver, no Canadá, Reule construiu uma sólida carreira colaborando com alguns dos maiores estúdios de VFX do mundo.

Ao longo dos anos, trabalhou em superproduções como “Star Wars: O Despertar da Força” (2015), “Vingadores: Era de Ultron” (2015), “Doutor Estranho” (2016), “Silêncio” (2016), “Han Solo: Uma História Star Wars” (2018), “Aquaman” (2018) e “Adão Negro” (2022). Em 2022, integrou a equipe premiada com o Oscar de Melhores Efeitos Visuais, reconhecendo sua excelência técnica e criatividade.

Reule já atuou como 3D Generalist e Matte Painter em estúdios de renome como Industrial Light & Magic, DNEG, Weta Digital e atualmente é Senior Environment Artist na Epic Games. Também foi CEO da Seagulls Fly por quase 12 anos e diretor criativo na Koi Factory, no Brasil. 

Vamos às 7 perguntas capitais:



1) É comum lembrarmos com carinho do início da nossa relação com o cinema. Os filmes ruins que nos marcaram, os cinemas frequentados (que hoje, provavelmente, estão fechados), as extintas locadoras de VHS e DVD que faziam parte do nosso cotidiano. Conte-nos um pouco de como é sua relação com a 7ª arte. Quando nasceu sua paixão pelo cinema? 

F.R.: Minha paixão pelo cinema veio, em parte, por influência do meu primo. Ele tinha um caderninho onde anotava à mão todos os filmes que assistia. Foi ele também quem me apresentou, ainda na infância, a vários clássicos, como Alien, O Exterminador do Futuro e O Segredo do Abismo, entre outros.

Mas foi com as trilogias De Volta para o Futuro e Indiana Jones, além das animações da Disney, que comecei a me viciar e a buscar filmes por conta própria. Na infância, obras como Aladdin e A Bela e a Fera me encantavam pela magia da animação. Já na adolescência, filmes como Duro de Matar, O Exterminador do Futuro 2 e Jurassic Park despertaram em mim o desejo de trabalhar na área, ainda que com pouca esperança.


2) Com relação às suas preferências cinematográficas, há uma lista dos filmes de sua vida? Um Top 10 ou mesmo o filme mais importante? 

F.R.: Acabei de citar uma lista aqui em cima! (risos) Mas é difícil escolher apenas um. O melhor que eu conseguiria, talvez, seria montar um top 3 separado por gênero. Alguns que certamente estariam em primeiro lugar seriam O Exterminador do Futuro 2, De Volta para o Futuro e, claro, Jurassic Park. São filmes que, em sua essência, te transportam para um universo parecido com o nosso, mas com uma sutil dose de fantasia, apenas o suficiente para que pareça algo próximo do possível. Acho que era justamente essa proximidade que tanto me encantava.


3) Recentemente, fez a transição da ILM para a DNeg. Como descreveria sua experiência trabalhando nessas duas grandes empresas?

F.R.: Eu saí da ILM em fevereiro de 2019. Desde então, tenho trabalhado como generalista na DNeg, outra empresa incrível que venceu cinco Oscars nos últimos sete anos. Sobre ambas, acho justo dizer que, ao mesmo tempo em que o trabalho é extremamente empolgante e desafiador, às vezes ficamos tão focados nos problemas que estamos resolvendo que perdemos um pouco a dimensão da coisa. Por isso, por um tempo, acaba virando apenas mais um trabalho.

Mas sempre que vemos as reações globais ao trailer, ao filme, e afins, percebemos que fazemos parte de algo grandioso, da história do cinema mundial mesmo. Isso é muito gratificante.

Lembro bem quando lançaram o primeiro trailer de Star Wars – Episódio VII - O Despertar da Força, que em poucos minutos já tinha milhões de visualizações. Foi algo assustador. Vi threads enormes no Reddit e Twitter cheios de teorias e explicações. Naquele momento, me dei conta de verdade de quão grandioso é o alcance do que fazemos. É uma oportunidade única, e me sinto muito grato.


4) "A vida é uma peça de teatro que não permite ensaios. Por isso, cante, chore, dance, ria e viva intensamente, antes que a cortina se feche e a peça termine sem aplausos". Considerando a reflexão, há alguma experiência vivida no meio artístico que foi especialmente marcante?

F.R.:  Na cena em que trabalhei em Star Wars: Episódio VII (a cena do balcão, pouco antes da explosão do planeta Hosnian Prime), a iluminação original da filmagem era completamente diferente da que seria necessária. O laser que destrói o planeta é vermelho-encarnado, enquanto a luz da cena filmada era amarelo-alaranjada.

Para facilitar a composição, acabei recriando o balcão inteiro em 3D, a fim de obter um “match” mais preciso com a iluminação correta. A parte engraçada foi quando o supervisor veio fazer algumas observações sobre a filmagem, e o compositor respondeu: “Er... isso não é filmagem, isso é o 3D do Generalista (no caso, eu...)”. Me senti orgulhoso por nem mesmo o supervisor ter notado que o balcão era em 3D, sinal de que o trabalho estava bem-feito.


5) Imagine o cenário: você é um diretor (de qualquer país) no set de filmagem de um filme memorável. Quem seria, em qual filme, e por que essa experiência seria tão marcante para você?

F.R.: Uma resposta possivelmente inusitada, para fugir um pouco do lugar-comum: Duro de Matar. Este foi um filme totalmente desacreditado, que enfrentou inúmeros desafios para funcionar. Mas a forma como ele foi concebido, e a volta por cima que o diretor John McTiernan conseguiu dar, transformaram esse clássico em uma experiência excelente de entretenimento e ação.

Não é um filme que exalta o super-homem típico da época (como Stallone, Van Damme e Schwarzenegger), mas sim um cara magro, desbocado e debochado, que acaba se tornando mais “badass” que todos os outros. Suas fraquezas, improvisos e cenas de ação têm uma sinergia impressionante. Acredito que a visão do diretor foi essencial para que o projeto ganhasse credibilidade e encontrasse o tom certo. E ele acertou na mosca.


6) Fazer cinema envolve muitas variáveis. Esforço, investimento, paixão, talento... E a sinergia destes elementos faz o resultado. Qual trabalho em sua carreira considera o melhor?

F.R.: Acho que posso destacar duas cenas das quais mais me orgulho de ter feito: a cena do píer visto de cima em Silêncio e a saída da favela de Corellia em Solo: Uma História Star Wars. Foram momentos em que tive tempo para me dedicar aos detalhes, e me surpreendi ao ver o resultado final nas telas do cinema.

M.V.: E quanto a arrependimentos? Ou, caso não tenha, faria algo diferente?

F.R.: Dizer que me arrependi, não posso. Mas talvez eu tivesse tentado me organizar melhor para sofrer menos nas cenas em que trabalhei em Aquaman. Foi um projeto bastante conturbado em escala mundial, e eu não estava mentalmente bem para lidar com cenas tão complexas. No fim, tudo saiu bem, mas acredito que hoje eu teria me respeitado um pouco mais e dado um passo atrás antes de assumir tanta responsabilidade.


7) Para finalizar, deixe uma frase ou pensamento envolvendo o cinema que representa você.

F.R.: No final de Contato (dirigido por Robert Zemeckis, mas a frase é do livro de Carl Sagan), o ser alienígena faz uma análise sobre a raça humana para Ellie:

“Vocês são uma espécie interessante. Uma mistura interessante. São capazes de realizar sonhos lindos, e ao mesmo tempo pesadelos horríveis. Vocês se sentem tão perdidos, tão segregados, tão sozinhos, mas não estão. Veja, em toda nossa procura, a única coisa que encontramos que faz este ‘vazio’ ser mais suportável, somos nós mesmos”.

Acho essa frase linda, não apenas no contexto do cinema, mas para a humanidade como um todo. Especialmente nos dias de hoje. Vale a pena pensar a respeito.

M.V.: Obrigado amigo. Foi um prazer.

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