Entrevista com Joel Caetano

joel-caetano-entrevista

O paulista Joel Caetano é diretor, roteirista, ator e montador brasileiro reconhecido por curtas premiados no Brasil e no exterior, como “Gato” (vencedor de Melhor Curta Latino-Americano no Montevideo Fantástico 2010) e “Encosto”, exibido em mais de 70 festivais de 20 países. Protagonizou “A Noite do Chupacabras” e atuou em “Mar Negro”, ambos de Rodrigo Aragão. 

Em 2015, dirigiu o premiado curta “Judas”, lançado em mais de 60 festivais pelo mundo, e assinou o segmento “A Loira do Banheiro” na antologia “As Fábulas Negras”, onde também trabalhou como montador e assistente de direção de José Mojica Marins. Além de dirigir, Joel é responsável por montagem, som e correção de cor de seus filmes e colabora em longas como “Mar Negro” e “As Fábulas Negras”. É sócio da RZP Filmes, onde produz e realiza novos projetos independentes de terror.

Vamos às 7 perguntas capitais:


1) É comum lembrarmos com carinho do início da nossa relação com o cinema. Os filmes ruins que nos marcaram, os cinemas frequentados (que hoje, provavelmente, estão fechados), as extintas locadoras de VHS e DVD que faziam parte do nosso cotidiano. Conte-nos um pouco de como é sua relação com a 7ª arte. Quando nasceu sua paixão pelo cinema? 

J.C.: Em primeiro lugar, gostaria de dizer que é um prazer participar! Obrigado pelo convite.

M.V.: O prazer é meu.

J.C.: Minha relação com o cinema começou na década de 1980, por meio da TV aberta mesmo (minha família demorou a ter um aparelho de VHS). Naquela época, as crianças podiam ver de tudo na TV (não estou julgando se era certo ou errado, mas era um fato): desde comédias adolescentes picantes, passando por filmes violentos de ação, fantasia, épicos espaciais e aventuras, até chegar aos filmes de terror sangrentos e assustadores (que eram meus favoritos). Tudo isso ajudou a formar a base das minhas referências, que carrego até hoje.

Outra influência muito forte na minha carreira foram os primeiros filmes que vi no cinema. Fiquei encantado quando, aos 10 anos de idade, me deparei com o filme “Labirinto – A Magia do Tempo”, de Jim Henson (1986). Foi o primeiro filme que vi na telona e acabou sendo uma experiência inesquecível. Lembro-me de ficar tão impressionado que comecei a ter uma espécie de ilusão com as criaturas do filme, chegando a acreditar que as estava vendo sentadas ao meu lado nas poltronas da sala de cinema durante a projeção, coisa de criança com imaginação extremamente fértil. Era como se eu tivesse atravessado a barreira entre sonho e realidade, algo que ainda hoje busco inserir em meus roteiros.

Já o segundo filme que assisti no cinema foi “Robocop – O Policial do Futuro” (1987), do diretor Paul Verhoeven. Levei um tremendo choque ao ter contato com toda aquela violência gráfica. De alguma forma, apesar de muito jovem, entendi a proposta do filme e consegui enxergar naquele espetáculo sangrento uma crítica ácida e divertida à sociedade da época. Esse uso do fantástico, do grotesco e do absurdo, guiando uma história que, no seu âmago, propõe discutir questões mais profundas de forma irreverente, sempre me agradou muito.


Mais tarde, quando meu pai finalmente comprou um aparelho de VHS, tive acesso a uma grande quantidade de filmes, não só na locadora, mas também por meio de um parente que tinha uma enorme coleção. A possibilidade de assistir repetidas vezes aos meus títulos favoritos se tornou um prazer que carrego até hoje (me tornei colecionador também, mas de DVD e Blu-ray). Foi meu momento de devorar cinema ferozmente, chegando a assistir diversos filmes por dia.

Lembro que ele tinha a trilogia de Star Wars (que eu só tinha visto na TV), que eu via repetidamente toda semana, era muito divertido. Foi nessa época também que revi sem parar vários filmes de terror, como Evil Dead (1981), Fome Animal (1992), Hellraiser (1987), A Hora do Pesadelo (1984), A Volta dos Mortos Vivos (1985), Alien (1979), entre outros mais obscuros, que moldaram meu gosto pelo gênero.

Por fim, em 2001, quando ingressei na faculdade, procurei assistir a todo tipo de filme possível, criando um repertório que, embora tenha base nas obras que vi na infância, foi ampliado consideravelmente, o que com certeza apurou ainda mais meu senso crítico e artístico. Considero tudo o que vejo até hoje como uma referência.

O aprendizado é contínuo e constante, e cada filme, livro, quadrinho, peça, escultura, pintura ou qualquer coisa que faça parte do meu cotidiano (independentemente de ser arte ou não) acaba influenciando minha obra, que, por mais que aborde temas absurdos, é calcada na forma como me relaciono com a vida, do ponto de vista psicológico e social, muitas vezes extrapolando conceitos para discutir temas da nossa contemporaneidade em forma de entretenimento.


2) Com relação às suas preferências cinematográficas, há uma lista dos filmes de sua vida? Um Top 10 ou mesmo o filme mais importante? 

J.C.: Essa pergunta é muito difícil de responder, pois, ao longo dos anos, várias obras foram importantes para a minha formação, e elencar apenas uma me parece limitado. Posso citar uma obra por período, assim acho mais justo.

Na época em que eu assistia aos filmes somente pela TV, “Guerra nas Estrelas: Uma Nova Esperança” foi uma das obras que mais mexeram com o meu imaginário. A possibilidade de viver aventuras em galáxias distantes, aliada ao romance e a toda mitologia, era algo encantador para uma criança como eu. Em contrapartida, quando vi “Labirinto – A Magia do Tempo” no cinema, foi mágico, minha imaginação foi elevada ao extremo! Uma sensação indescritível.

Do ponto de vista de me incentivar a produzir, posso citar “Matrix”, pois, além do filme, perdi a conta de quantas vezes assisti ao seu making of no DVD, sempre sonhando em fazer parte de algo como aquilo. Essa é a importância do DVD, que, diferente do VHS, já tive acesso desde o início. A possibilidade de ver como os filmes eram produzidos abriu minha cabeça e me fez perceber que produzir um filme não era algo tão distante quanto eu pensava.


Se eu levar em consideração questões mais profundas, posso citar filmes como “8½”, do Fellini, ou até “Solaris”, do Tarkovsky, ambos fazem parte dos meus filmes favoritos de todos os tempos. São obras que abordam temas sensíveis de maneira cinematograficamente belíssima.

Já no quesito terror, não posso deixar de citar “A Morte do Demônio” (Evil Dead), filme que mais me influenciou no gênero. Todo aquele improviso, a falta de recursos misturada à genialidade dos enquadramentos e movimentos de câmera, aliados a uma ótima edição, mostram como é possível criar bons filmes com orçamento limitado, algo que venho tentando fazer ao longo da minha carreira.

Poderia citar muitos outros filmes, e alguns que mencionei aqui podem até ser menos importantes do que outros que ficaram de fora, simplesmente pelo momento em que me encontro escrevendo estas palavras. É difícil citar apenas um, peço desculpas por ser prolixo nesse sentido.


3) Qual conselho deixaria para a geração que está começando na área? Quais são os erros mais comuns que um diretor iniciante deveria evitar?

J.C.: Meu conselho é sempre o mesmo: faça. Não espere pelas condições ideais. Execute seus filmes com os recursos que você tem, aproveitando-os ao máximo para contar a sua história da melhor maneira possível. Estude muito, leia muito, não apenas sobre cinema, mas sobre todo tipo de conteúdo. Em seus roteiros, fale de coisas em que você acredita e seja extremamente apaixonado pelo que faz, pois não é um caminho fácil e, muitas vezes, é preciso reafirmar o porquê de estar metido nisso.

Se houver essa possibilidade, trabalhe em filmes ou vídeos de outras pessoas. Eu mesmo comecei filmando making of e ajudando na montagem das luzes no estúdio, foi a minha escola principal (apesar de ser graduado em Rádio e TV). Além de cuidar das minhas tarefas, nas horas vagas eu não tirava os olhos do diretor, diretor de fotografia, produtor, atores, maquinistas etc., sempre em busca de aprender um pouco mais a cada dia.

Essa base e o primeiro contato com a produção ajudam a compreender como funciona um set de filmagem. Para completar, saiba que estará sempre aprendendo, e por isso procure avaliar de forma crítica seus projetos, com o intuito de identificar possíveis problemas, a fim de melhorar os aspectos técnicos e artísticos dos próximos filmes.


4) "A vida é uma peça de teatro que não permite ensaios. Por isso, cante, chore, dance, ria e viva intensamente, antes que a cortina se feche e a peça termine sem aplausos". Considerando a reflexão, há alguma experiência vivida no meio artístico que foi especialmente marcante?

J.C.: Uma das histórias mais interessantes foi quando trabalhei com o mestre José Mojica Marins, o intérprete do ícone do cinema de horror mundial Zé do Caixão. Em 2015, fui convidado por Rodrigo Aragão, grande diretor capixaba de filmes de terror como Mangue Negro (2008), A Noite do Chupacabras (2011), Mar Negro (2014) e Mata Negra (2018), para dirigir um dos segmentos do longa-metragem As Fábulas Negras (2015). O meu episódio tratava da lenda da Loira do Banheiro, para o qual escrevi o roteiro e fiz a direção, algo que foi muito gratificante.

Um dos diretores convidados foi o Mojica, e Rodrigo achou por bem que eu deveria trabalhar no segmento dele, O Saci, como assistente de direção. É claro que aceitei, foi uma das maiores honras da minha vida. Senti que estava vivenciando parte da história do cinema participando desse projeto, principalmente por causa da presença do Mojica como diretor.

Bem, o meu “causo” foi o seguinte: nós estávamos filmando O Saci em um estúdio. Era uma cena em que o casal de religiosos conservadores, pais da protagonista, discutia com a filha por ela ter conversado com um feiticeiro na floresta. Depois de filmarmos alguns planos, fizemos uma pausa, e o Mojica saiu para tomar um café. Fiquei eu, o Rodrigo e o diretor de fotografia, Marcelo Castanheira, debatendo onde seria o próximo plano. Passamos um bom tempo nisso, pois não era algo simples de decidir.

Depois de muito debate, chegamos à conclusão de que só poderia ser de um jeito e combinamos de sugerir ao Mojica, para ver se ele concordava. Minutos depois, lá vem ele, andando vagarosamente em nossa direção. Antes que pudéssemos falar qualquer coisa, ele olhou por um segundo em volta do cenário, fez um gesto de enquadramento com as duas mãos, apontando exatamente para onde havíamos escolhido, e falou: “É aqui!” Nós nos olhamos embasbacados! 

O que havíamos debatido por um bom tempo, ele resolveu quase instantaneamente. É claro que não falamos nada na hora, mas ali tivemos ainda mais certeza de que estávamos diante de alguém muito especial, que além de ser um artista genial, era extremamente competente. Foi um aprendizado incrível trabalhar com o mestre, em todos os sentidos.


5) Imagine o cenário: você é um diretor (de qualquer país) no set de filmagem de um filme memorável. Quem seria, em qual filme, e por que essa experiência seria tão marcante para você?

J.C.:  Stanley Kubrick em 2001: Uma Odisseia no Espaço. Sou apaixonado por histórias que se passam no espaço e, para mim, essa obra é o ápice desse tipo de filme. Além de apresentar uma questão técnica e criativa impecável, o longa nos leva a uma viagem que transcende os limites da realidade. O motivo de eu escolhê-lo é a vontade de entender como funcionou o processo de criação para chegar a esse resultado incrível.


6) Fazer cinema envolve muitas variáveis. Esforço, investimento, paixão, talento... E a sinergia destes elementos faz o resultado. Qual trabalho em sua carreira considera o melhor? E quanto a arrependimentos? Ou, caso não tenha, faria algo diferente?

J.C.: Eu tenho, de verdade, muito orgulho de todos os meus trabalhos, mesmo os mais toscos do início de carreira, como Minha Esposa é um Zumbi (2006) e Junho Sangrento (2017), serviram para um propósito na época (e, por pior que sejam, ainda têm uma galera que adora).

Os que mais gosto são: o curta Gato (2009), Judas (2015) e A Loira do Banheiro (As Fábulas Negras, 2015). Gato foi o primeiro filme que fiz buscando uma estética nova, ainda com o pé no trash, mas desconstruindo alguns conceitos de narrativa e técnica, em que tentei criar uma atmosfera quase onírica, unindo devaneio e sadismo, passando pelo realismo fantástico por meio de um ser antropomórfico que influencia (ou não) o protagonista.

Judas é um dos meus filmes mais maduros em relação ao tema, pois trata da exploração do trabalho infantil e dos maus-tratos por meio de uma fábula de horror. Pude acompanhar diversas exibições do filme (ele já foi exibido em mais de 100 festivais) e o que notei é que há um momento de confusão na plateia, que, mesmo não concordando com a violência de um determinado personagem, acaba se compadecendo de sua causa por conta da situação que o levou a cometer tais atos.

Já em A Loira do Banheiro, pude trabalhar com menos limitação orçamentária, uma equipe grande e a vantagem de contar com as maquiagens incríveis do Rodrigo Aragão. Não é à toa que, tecnicamente, é meu trabalho mais competente. Essas “ferramentas” também me deram a oportunidade de escrever um roteiro mais complexo e denso, pois pude explorar elementos que, em um filme de baixíssimo orçamento, eu jamais conseguiria.


7) Para finalizar, deixe uma frase ou pensamento envolvendo o cinema que representa você.

J.C.:“Rosebud”. Cidadão Kane de Orson Welles.

M.V.: Obrigado amigo. A gente se vê nos filmes.

J.C.: Muito obrigado!


Tecnologia do Blogger.