Entrevista com Rubens F. Lucchetti

Rubens Francisco Lucchetti, mais conhecido como R. F. Lucchetti nascido em  29 de janeiro de 1930, Santa Rita do Passa Quatro, Ribeirão Preto,  é um ficcionista, desenhista, articulista e roteirista de filmes, histórias em quadrinhos e fotonovelas. É considerado o "Papa da Pulp Fiction" no Brasil. Ele fez uma lendária dupla com Zé do Caixão, roteirizando seus melhores filmes.  Por intermédio de José Mojica Marins, conheceu, em 1977, o cineasta Ivan Cardoso, para quem escreveu os roteiros dos filmes O Segredo da Múmia, As Sete Vampiras, O Escorpião Escarlate e Um Lobisomem na Amazônia.

Um de seus livros, Noite Diabólica, publicado em 1963, é considerado "o primeiro livro de terror escrito no Brasil". 

Vamos às 7 perguntas capitais:



1) “O mais antigo e mais forte dos sentimentos humanos é o medo, e o mais antigo e mais forte dos medos é o medo do desconhecido...”, disse H. P. Lovecraft.  Quando a literatura entrou na sua vida de forma definitiva? Teve algum momento particular em que decidiu: ser escritor.

R.F.L.: Meu interesse pela literatura surgiu lendo contos em revistas. Isso por volta de 1940, quando eu tinha uns dez anos de idade e mal conseguia juntar as palavras. Eu ficava fascinado pelas histórias. Uma das revistas que eu mais apreciava era a Contos Magazine, que apresentava histórias de piratas. Eu sempre tive grande predileção por histórias de pirataria, com tesouros escondidos em ilhas remotas.

Nessa época, eu lia também um tabloide chamado O Globo Juvenil. Ele era de propriedade do sr. Roberto Marinho saía três vezes por semana e publicava histórias em quadrinhos (a maioria delas de origem norte-americana) e histórias em texto. Eu recortava essas histórias em texto e coletei todos os capítulos de um dos episódios da história em quadrinhos Brick Bradford em que o titular da série viaja no tempo e envolve-se com o pirata Martin Cruel (ele tinha como mascote uma pantera negra, que ficava o tempo todo a seu lado).


É um personagem marcante. Foi pena que os criadores do Brick Bradford, o roteirista William Ritt e o desenhista Clarence Gray, o mataram. Ele deveria ter aparecido em outras aventuras do Brick. Guardo até hoje, com muito carinho, essas páginas, que transformei num álbum.

Alguns anos depois, descobri as coleções Terramaear e Audazes, que me abriram as portas dos grandes clássicos da Aventura. Eu ficava penalizado quando terminava a leitura de cada um dos livros dessas coleções, porque eu me familiarizava com os personagens. Lamento que não haja atualmente coleções como essas. Portanto, meu início na literatura foram os livros e as histórias em quadrinhos de aventura.


2) É comum lembrarmos com carinho do início da nossa relação com o cinema. Os filmes ruins que nos marcaram, os cinemas frequentados (que hoje, provavelmente, estão fechados), as extintas locadoras de VHS e DVD que faziam parte do nosso cotidiano. Conte-nos um pouco de como é sua relação com a 7ª arte. Quando nasceu sua paixão pelo cinema? 

R.F.L.: O diretor do grupo escolar que eu frequentava era um fanático por cinema. Toda quinta-feira, mais ou menos às dez horas da manhã, ele encerrava as aulas do terceiro e quarto anos (dava mais ou menos uns cem alunos) e exibia no porão habitável da escola filmes em dezesseis milímetros. Esse foi meu primeiro contato com o cinema. Nessas sessões, assisti a uma série de curtas-metragens de O Gordo e o Magro, Carlitos (enquanto os demais alunos riam das estripulias do personagem, eu não achava graça alguma). Eu via o que acontecia com ele como tragédias.

Também vi diversos desenhos produzidos pelos irmãos Max & Dave Fleischer e estrelados pela Betty Boop, o palhacinho Koko e o cão Bimbo. Inclusive, num desses desenhos, os Fleischer ensinavam como fazer um desenho animado. Outro desenho que me marcou muito é um em que misturavam animação com figuras humanas (os próprios Fleischer interagiam com seus personagens). Esse desenho foi realizado nos anos 1930.


3) "A vida é uma peça de teatro que não permite ensaios. Por isso, cante, chore, dance, ria e viva intensamente, antes que a cortina se feche e a peça termine sem aplausos". Considerando a reflexão, há alguma experiência vivida no meio artístico que foi especialmente marcante?

R.F.L.: Penso que o meu melhor trabalho em Cinema foi o roteiro de O Segredo da Múmia, porque tive a felicidade de vê-lo filmado quase na íntegra. Depois, o Ivan Cardoso, o diretor do filme, soube escolher um elenco perfeito. E destaco o trabalho dos atores Wilson Grey (parece-me que foi a primeira e única vez que ele protagonizou um filme), Clarice Piovesan (ela está perfeita no papel de Gilda, com sua fala lânguida, à la Marilyn Monroe), Anselmo Vasconcelos (ele conseguiu dar expressão à múmia, um ser que não tem expressão) e Tânia Bôscoli (ela interpretou dois papéis: a repórter Míriam, da Rádio Mundo; e a dançarina egípcia Nadja, a grande paixão de Runamb). Na verdade, a repórter é a reencarnação da Nadja. O Colé Santana faz uma aparição relâmpago no filme, mas marcante, em que contracena com a exuberante Maria Zilda.

Quero ainda falar de mais duas pessoas, que não são atores. A primeira delas é o maestro Julio Medaglia, que faz o papel de Rodolfo, o assistente do prof. Expedito Vitus (Wilson Grey). Ele está perfeito. Cínico e galanteador. O que foi surpreendente é a atuação do Felipe Falcão. Ele nos deixou há pouco tempo. O Felipe era advogado do Ivan (não entendo como o Ivan o escalou para participar do filme) e deu uma interpretação magistral ao papel do Igor, o criado fiel do prof. Vitus. Nem mesmo um grande ator profissional interpretaria tão bem o personagem. Igor é o grande personagem da fita.


4) Fazer arte envolve muitas variáveis. Esforço, investimento, paixão, talento... E a sinergia destes elementos faz o resultado. Qual trabalho em sua carreira considera o melhor?

R.F.L.: É difícil, para mim, escolher no universo do meu trabalho aquele que eu considero o melhor.


5) Com relação às suas preferências cinematográficas, há uma lista dos filmes de sua vida? Um Top 10 ou mesmo o filme mais importante? 

R.F.L.: Fazer uma lista com apenas dez filmes é algo extremamente difícil. Mas vamos lá: Luzes da Cidade (1931, Charles Chaplin), Este Mundo É um Hospício (1944, Frank Capra), Janela Indiscreta (1954, Alfred Hitchcock), As Diabólicas (1955, Henri-Georges Clouzot), Se Todos os Homens do Mundo (1956, Christian-Jaque), Aquele Que Deve Morrer (1957, Jules Dassin), O Fofoqueiro (1962, Jerry Lewis), A Mulher Infiel (1969, Claude Chabrol), O Magnífico (1973, Philippe de Broca), De Olhos Bem Fechados (1999, Stanley Kubrick).


6) Como você definiria sua convivência com José Mojica Marins, o Zé do Caixão, figura tão icônica do nosso cinema?

R.F.L.: Minha relação com o Sr. José Mojica foi o melhor possível. Em nenhum momento, ele fez oposição a nada que escrevi tendo o Zé do Caixão como personagem. Tínhamos diversos planos, incluindo uma boate de terror e um desenho animado contando as aventuras de Zé do Caixão. Eu escrevi inteirinho o projeto da boate e também o roteiro do desenho animado (tenho-os guardados até hoje). 

Mas o maior obstáculo era a falta de recursos e apoio para colocarmos em execução esses planos. Alguns conseguimos realizar, como a revista de histórias em quadrinhos O Estranho Mundo de Zé do Caixão, fotonovelas e os programas de televisão (Além, Muito Além do Além e O Estranho Mundo de Zé do Caixão).


7) Ao olhar para sua trajetória, qual aprendizado considera mais valioso e gostaria de compartilhar?

R.F.L.: A principal lição que obtive é que essas duas artes são desprezadas em nosso país. Por exemplo, se você chegar para um empresário e falar sobre qualquer uma delas, ele vai dar um sorriso de mofa e dizer: “Isso é muito bom para sonhadores e poetas. Meu negócio é ganhar dinheiro.” Aqui, os empresários estão voltados para o imediatismo e de olhos totalmente vendados para o que acontece no mundo civilizado (não considero o Brasil um país civilizado). A França, poucos anos depois de ter se envolvido em duas guerras mundiais, tinha no cinema uma de suas maiores fontes de renda, devido ao sucesso feito pelos filmes da Brigitte Bardot (esses filmes traziam mais renda para o país do que os carros da Renault).

A Itália fazia filmes no meio dos escombros da Segunda Guerra Mundial, realizando fitas do Neorrealismo, fitas que lotavam os cinemas. E que dizer, então, do cinema norte-americano?! Os filmes produzidos nos Estados Unidos ditam moda, modismo e vendem para o resto do mundo o american way of life. Só para os nossos empresários tacanhos é que o cinema é coisa de “sonhadores e poetas”.

Quanto à literatura, nossas editoras estão preocupadas em lançar apenas best-sellers estrangeiros, que já vêm com uma propaganda feita. Elas não investem no talento brasileiro.

M.V.: Obrigado amigo.


Eu tenho horror à realidade. Por isso, sou um ficcionista.
Rubens F. Lucchetti



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