Entrevista com Rafaella Nunes
Rafaella Arrais Nunes, também conhecida como Rafa Nunes, nasceu em 2 de agosto de 1984, em Fortaleza. Formada em Comunicação Social, Publicidade e Propaganda pela Unifor em 2006, é designer gráfica, diretora de arte e consultora de estilo, além de cinéfila assumida e apaixonada por gastronomia.
Desde 2018, atua como designer sênior e freelancer, com destaque para o belíssimo trabalho visual nas capas de DVDs lançados pela Classicline, que conquistou admiradores em todo o país. Nerd com orgulho, Rafa fez pós-graduação em design gráfico e investiu em diversos cursos livres nas áreas de design e branding, construindo um olhar apurado e autoral que marca sua identidade criativa.
Vamos às 7 perguntas capitais:
1) É comum lembrarmos com carinho do início da nossa relação com o cinema. Os filmes ruins que nos marcaram, os cinemas frequentados (que hoje, provavelmente, estão fechados), as extintas locadoras de VHS e DVD que faziam parte do nosso cotidiano. Quando nasceu sua paixão pelo cinema? Conte-nos um pouco de como é sua relação com a 7ª arte.
R.N.: Honestamente, não saberia dizer com precisão. Desde antes do meu nascimento, minha família já trabalhava com cinema. Meu avô foi um dos pioneiros no Ceará, tanto na exibição em salas quanto na abertura das primeiras locadoras. Posso dizer que já nasci dentro do universo cinematográfico. Nunca houve um momento epifânico, como nos contos da Clarice Lispector. O cinema simplesmente sempre fez parte da minha vida, e é uma das partes que mais amo na minha rotina.
2) Tyler Durden disse em Clube da Luta: "As coisas que você possui acabam possuindo você". Ser colecionador é algo que se encaixa neste conceito, já que você se torna escravo do colecionismo. Coleciona filmes, CDs ou algo relacionado à 7ª arte?
R.N.: Sim, posso dizer que coleciono. Tenho pouco mais de uma centena de filmes em casa, e aproximadamente a mesma quantidade de livros, embora a maioria deles não seja sobre cinema. Não me considero uma colecionadora como muitos dos que acompanho, especialmente nos grupos de que participo no Facebook. Nunca me preocupei com números, nem tive o desejo de encher a casa com prateleiras para abrigar coleções.
Recentemente, quando me mudei para São Paulo, vendi vários dos DVDs que possuía e doei quase dois terços dos meus livros. Só faço questão de manter comigo filmes e livros que amo muito, que vejo e revejo constantemente. Também não me importo em adquirir edições especiais, steelbooks ou caixas enormes, a sensação de acúmulo me incomoda. O que é curioso, já que meu trabalho envolve justamente criar visuais atrativos para o material gráfico dos filmes. Na verdade, o que realmente me interessa é o conteúdo gravado no disco (inclusive os extras). Mas, se tudo isso vier acompanhado de uma embalagem bonita, melhor ainda.
3) Seu trabalho nos lançamentos da Classicline tem uma assinatura visual muito própria, talvez uma das melhores do país. Como nasce essa identidade? E como é sua relação com cada projeto até atingir aquele acabamento tão único?
R.N.: Olha, eu não saberia dizer se é o melhor do país, porque há muitos profissionais bons e dedicados no mercado. Mas fico muito feliz quando recebo elogios pelo meu trabalho. Muito! São várias horas diárias de pesquisa e dedicação a cada capa, cada box ou digipack. Faço sempre questão de dar o meu melhor quando estou trabalhando, acho que é uma forma de carinho, tanto com a obra (o filme) quanto com o consumidor.
Quando trabalhamos em empresas de nicho, cuja produção é totalmente feita no Brasil, percebemos claramente a diferença nos valores de consumo entre produzir aqui (em escala menor) e fabricar centenas de milhares de cópias fora do país. Para o pequeno produtor, como é o caso da Classicline, fazer edições especiais cheias de efeitos, relevos, papéis diferenciados ou mesmo o steelbook representa um custo de produção completamente inviável, especialmente porque, no nosso mercado, o consumidor raramente está disposto a pagar o valor final.
Houve um tempo em que eu me frustrava por não poder produzir materiais cheios de “efeitos especiais”, mas com o tempo percebi que as coisas não funcionam assim, e que eu estava enxergando o mercado com um certo cabresto. Não é simplesmente uma questão de “a empresa busca o lucro acima de tudo”, como alguns “entendidos” gostam de repetir por aí. Essa é uma visão simplista, leiga e, sinceramente, cretina da realidade.
Uma empresa que não lucra não tem capital de giro para continuar produzindo, se manter ativa, pagar impostos ou oferecer salários dignos aos seus funcionários, pessoas que estão ali todos os dias se dedicando para entregar algo realmente legal para a coleção do público. Tudo isso precisa ser pensado e repensado quando decidimos lançar um filme, e tudo isso passa pela minha cabeça quando vou criar uma capa.
Resumindo: minhas motivações são os colecionadores e a Classicline. Quero que as capas fiquem lindas porque desejo que os colecionadores sintam orgulho de comprar aquele filme e tenham algo realmente bonito para colocar na prateleira, além de um ótimo filme para assistir. Faço questão que elas fiquem lindas porque, acima de tudo, quero que a Classicline continue viva.
4) "A vida é uma peça de teatro que não permite ensaios. Por isso, cante, chore, dance, ria e viva intensamente, antes que a cortina se feche e a peça termine sem aplausos". Considerando a reflexão, há alguma experiência vivida universo cinematográfico que foi especialmente marcante?
R.N.: Acho que uma das melhores coisas do cinema é que ele sempre pode te surpreender. Cada ida às telonas, ou mesmo um filminho assistido no fim de semana em casa, pode proporcionar uma experiência inesquecível. Pode ser aquele filme épico em que você encontra, no protagonista, a força e o exemplo que precisava para mudar sua vida, ou uma comédia leve, que faz você sorrir num dia péssimo.
Ainda me lembro do primeiro filme que assisti sozinha, sem nenhum adulto me acompanhando, no cinema: O Rei Leão, quando eu tinha 10 anos. Naquele dia, me senti forte e independente. Lembro também de, no dia do meu casamento, ter deixado Questão de Tempo e Casamento Grego passando na TV enquanto me arrumava com a minha mãe. Aquilo levou embora qualquer tensão que pudesse existir. Me senti leve e feliz.
Outro momento marcante foi um dos primeiros filmes que assisti com meu atual marido, ainda na época do namoro: Antes do Amanhecer. Fiquei muito feliz por estar ao lado de alguém com quem me sentia completamente à vontade e extremamente conectada, assim como Jesse e Céline. Curiosamente, assim como eles, passamos por um término por conta da distância, mas nos reencontramos anos depois e acabamos nos casando.
A vida teria menos graça sem a arte, mas o que seria da arte, se não fosse a própria vida para nos inspirar?
5) Com relação às suas preferências cinematográficas, há uma lista dos filmes de sua vida? Um Top 10 ou mesmo o filme mais importante?
R.N.: Eu já citei alguns na pergunta anterior, né?
M.V: Verdade.
R.N.: Mas eu incluo nessa lista a trilogia O Senhor dos Anéis, O Poderoso Chefão, a saga Star Wars, os musicais do Fred Astaire que eu assistia com meu avô quando era pequena... Sério, é uma lista sem fim. Só para citar alguns: Dirty Dancing - Ritmo Quente, porque foi com ele que aprendi que ninguém pode deixar a Baby num canto. Os Goonies, onde descobri o valor das verdadeiras amizades. Moulin Rouge, que reacendeu meu amor por musicais, adormecido havia tempos.
Primavera, Verão, Outono, Inverno… e Primavera me despertou o interesse pelo cinema oriental e me levou a finalmente conhecer a obra incrível de Kurosawa, além dos vários faroestes igualmente incríveis baseados em seus filmes. Pulp Fiction me fez, pela primeira vez, admirar a violência como recurso estético e narrativo, e me tornou fã de Tarantino.
Olha, honestamente, vou parar por aqui. Essa lista já está longa demais.
6) Fale um pouco sobre os seus próximos projetos.
R.N.: Tenho, sim, mas é um projeto de longo prazo, algo ligado à minha carreira e que representa, na verdade, um grande sonho pessoal. Por isso, prefiro manter em sigilo, entre mim e o Felipe (meu marido). Só para deixar claro: não tenho nenhum interesse em dirigir ou escrever um filme. Minhas metas estão mais voltadas ao tipo de trabalho que já desenvolvo hoje.
7) Ao olhar para sua trajetória dedicada à arte, qual aprendizado considera mais valioso e gostaria de compartilhar?
R.N.: Ai, gente, eu não acho que minha vida seja dedicada à arte! (risos) Minha vida é dedicada à minha família, à minha saúde mental e física, ao meu trabalho... E, sinceramente, acho que ainda sou muito nova para querer deixar uma lição para alguém.
M.V.: Sinto informar, mas trabalho que faz é arte.
R.N.: Quando se fala em “vida dedicada à arte”, penso em algo que envolve quase um papel de mártir ou de sábio, e esse não é o meu caso, nem é algo que eu queira assumir para mim. Prefiro deixar isso para quem realmente dá o sangue e quase morre pelo cinema... como o Coppola.
Acho que o trabalho e a entrega de pessoas como ele é que devem servir de inspiração para todos nós. O Coppola, de fato, colocou o coração dele em projetos que sonhou realizar, e é por isso que suas conquistas e sua obra são tão memoráveis.
E não precisa ser no sentido extremo, não estou falando de literalmente infartar por um projeto, como foi o caso dele. Falo de colocar amor e dedicação, diariamente, naquilo que fazemos. A maior lição que o Coppola me deixou, e que talvez eu possa compartilhar aqui, é: se estamos dispostos a colocar o coração nos nossos sonhos, temos grandes chances de torná-los realidade.
M.V.: Obrigado e sucesso para você.