Entrevista com Alice Austríaco
Alice Austriaco Ferreira Maciel, nascida em 22 de janeiro de 1993, em Belo Horizonte, é formada em Serviço Social pela Una. Atua como educadora no Instituto O Grito e é cofundadora da eMe, produtora audiovisual onde desenvolve projetos diversos. Participou do Cinelab Aprendiz em 2018 e se especializou em maquiagem para vídeo, direção de arte, efeitos especiais e produção, áreas em que constrói sua trajetória criativa e colaborativa no audiovisual.
Vamos às 7 perguntas capitais:
1) É comum lembrarmos com carinho do início da nossa relação com o cinema. Os filmes ruins que nos marcaram, os cinemas frequentados (que hoje, provavelmente, estão fechados), as extintas locadoras de VHS e DVD que faziam parte do nosso cotidiano. Conte-nos um pouco de como é sua relação com a 7ª arte. Quando nasceu sua paixão pelo cinema?
A.A.: Como toda criança, a influência dos meus pais foi o principal fator que me fez desenvolver a paixão pelo cinema. Ainda muito nova, acompanhava meu pai na escolha dos filmes, que muitas vezes serviam de companhia, mesmo que eu não entendesse muito bem do que se tratava ou do que acontecia na tela.
Minha mãe, admiradora dos romances clássicos, e meu pai, um grande entusiasta do cinema western, me mostraram a importância e o valor dessa arte quando eu era ainda criança, de forma natural e quase imperceptível.
Ainda na infância, desenvolvi o hábito de alugar filmes nos finais de semana, às vezes na companhia de algumas amigas, outras vezes sozinha, mas sempre chegava em casa com algumas fitas cassete. Era comum alugar filmes de terror, muitas vezes o mesmo filme mais de duas ou três vezes.
Lembro-me bem que, em uma dessas idas, o “moço da locadora” (como eu o chamava) me recomendou A Morte do Demônio (1981), talvez com a intenção de me assustar, mas, se foi, não deu muito certo.
Apaixonei-me pelo filme, que despertou em mim o interesse por produções carregadas de sangue e efeitos especiais, além de estimular minha curiosidade e meu apego pelo gore. Claro que, ainda durante a infância, esse gosto fez com que eu tivesse alguns pesadelos, mas nada que me impedisse de continuar me aprofundando.
Confesso que, durante a fase escolar, fui considerada “esquisita” e tive dificuldade em fazer amizades, mas hoje vejo o quanto isso foi importante para a construção da minha personalidade. Assumo até que sou grata por ter passado por isso, mesmo que na época tenha sido terrível. Concluo que ser a “esquisita” me livrou de uma vida muito comum, até mesmo entediante, já que atualmente me divirto em meio ao sangue, exploro minha criatividade e assisto a filmes não só por hobby, mas também como ferramenta profissional. É ou não é um prazer?
M.V.: Sem a menor dúvida.
2) Com relação às suas preferências cinematográficas, há uma lista dos filmes de sua vida? Um Top 10 ou mesmo o filme mais importante?
A.A.: Já tentei fazer muitas listas, mas percebo que meu gosto muda de acordo com a fase que estou vivendo. Entretanto, O Monstro Legume do Espaço (1995), do Petter Baiestorf, foi um grande marco para o meu desenvolvimento. Esse filme não só estimulou meu interesse pelas produções do gênero, como também me mostrou as possibilidades de criar e explorar caminhos até então inimagináveis na minha concepção.
Sou grata ao Baiestorf não apenas pelos trabalhos, mas também por ser um grande incentivador e um amigo sensacional, que tenho o privilégio de considerar muito querido.
3) "Nossas vidas são definidas por oportunidades, mesmo as que perdemos.", diria Benjamin Button em seu filme. O caminho até o eventual sucesso não é fácil, principalmente na concorrida Indústria Cinematográfica. Conte como foi seu início de carreira. Seu trabalho com maquiagem e efeitos, aliás, é primoroso.
A.A.: Primeiramente, agradeço o elogio! Vivemos em um contexto de constante desvalorização da arte, então é muito confortante ler algo tão positivo sobre o meu trabalho. Já o nascimento da minha profissão aconteceu de forma fluida e natural. Poucas pessoas sabem, mas sou assistente social por formação, uma profissão que, apesar da minha admiração e reconhecimento, não conseguiu manter meu interesse ao longo do exercício.
Percebi cedo que a rotina de escritório não me satisfazia; pelo contrário, me entediava. Enquanto esse processo de desencanto acontecia, eu me divertia em casa tentando reproduzir maquiagens que via nos filmes e em programas de televisão relacionados ao cinema, como o Cinelab (no qual mais tarde participei de um novo formato do programa, estilo reality show). Aos poucos, as pessoas viam minhas experiências com produtos caseiros e começaram a me convidar para fazer maquiagens, pequenas produções e fotos. Foi assim, em um desses trabalhos despretensiosos, que percebi que o cinema era o lugar onde eu deveria estar. O set me conquistou.
A partir disso, comecei a estudar desenfreadamente e a me especializar, não só em maquiagem, mas também na criação de efeitos especiais, direção de arte e tudo o que fosse possível para estar envolvida nas produções. Esse processo de aprendizado não terminou, e acredito que nunca vai acabar. Afinal, tenho muitas pretensões dentro da área. Neste momento, quero explorar o gore ao máximo e, por isso, estou construindo uma produtora trash, a Alixo Produções, inclusive, essa é uma novidade que estou contando pela primeira vez nesta entrevista!
M.V.: Que honra
A.A.: Tenho alguns sonhos dentro do cinema, produções que desafiam o bom senso ainda estão por vir, assim como o uso de animatrônicos e maquiagens grandiosas, com muito sangue e riqueza de detalhes.
4) "A vida é uma peça de teatro que não permite ensaios. Por isso, cante, chore, dance, ria e viva intensamente, antes que a cortina se feche e a peça termine sem aplausos". Considerando a reflexão, há alguma experiência vivida no meio artístico que foi especialmente marcante?
A.A.: Realmente, essa é uma área que, por ter muitas possibilidades, também traz muitas consequências. O público, muitas vezes, não entende bem o que acontece durante o processo, o que resulta em histórias, no mínimo, curiosas.
Certa vez, logo após uma gravação bem sangrenta, pedi um carro por aplicativo para tentar voltar para casa, algo simples para qualquer um, mas, sempre que eu chamava um motorista, ele se aproximava e não parava. Suponho que fosse por eu estar completamente coberta de sangue e segurando uma sacola cheia de facas falsas. Pensando bem, eu também não pararia!
Já aconteceu também, durante uma produção em um parque público, de algumas senhoras ficarem horrorizadas com a maquiagem. O problema é que elas não apenas ficaram assustadas, como também se sentiram no direito de xingar e esbravejar com toda a equipe, fomos taxados de pessoas ruins. A agressão verbal foi tamanha que tivemos de interromper o projeto e ir embora. Hoje dou risada: penso que a maquiagem estava tão boa que incomodou a esse ponto. Precisamos enxergar as coisas de forma positiva, não é mesmo?
M.V.: Verdade. É um reconhecimento da excelência do trabalho.
A.A.: Com mais frequência, as pessoas comentam nas minhas fotos nas redes sociais, dando suas opiniões pessoais, entre elas, as mais divertidas: “É um absurdo alguém se ferir dessa maneira”, “Vocês acham bonito alguém se mutilar assim?”. Eu me divirto e tento ser direta: explico e recomendo que a pessoa conheça um pouco mais do meu trabalho. Na maioria das vezes, recebo um pedido de desculpas e o comentário é deletado. Ainda assim, dou boas risadas.
5) Qual profissional da sua área gostaria de ser, por um dia, enquanto ele realiza um trabalho memorável? E por que essa experiência seria tão marcante para você?
A.A.: Existem muitos profissionais que eu gostaria de ver através de seus olhos, mesmo que por um instante, mas Tom Savini, sem dúvidas, seria o escolhido. O artista serviu no Vietnã como fotógrafo de combate, viu muitos cadáveres mutilados e, segundo ele mesmo, imaginava estar em um filme, acreditava que tudo era efeito especial, para não enlouquecer.
M.V.: Sim, ele me contou isso.
A.A.: A assinatura dele na maquiagem é suja, algo que também aplico nas minhas criações. Sem dúvida, o filme escolhido seria Despertar dos Mortos (1978), além de ter sido o primeiro filme de zumbi de que me lembro de ter assistido. É recheado de vísceras, membros cortados e muito sangue. Ter feito parte dessa produção teria sido incrível.
6) Fazer cinema envolve muitas variáveis. Esforço, investimento, paixão, talento... E a sinergia destes elementos faz o resultado. Qual trabalho em sua carreira considera o melhor?
A.A.: Confesso que tenho muito orgulho da maioria dos meus trabalhos, não apenas pelo que faço, mas porque geralmente estou cercada de uma equipe incrível, que trabalha unida e sempre se ajudando. No fim das produções, a sensação é de satisfação e orgulho.
Recentemente, realizei alguns clipes com maquiagens de gore que me deixaram especialmente orgulhosa, achei a produção impecável e sou muito grata não só à banda Paradise In Flames, mas também aos rapazes que cuidaram de toda a produção e pós-produção: Bruno Paraguay e Davidson Mainart.
Outro projeto que guardo com muito carinho é o filme Arruinados, que ainda está em fase de finalização. Nele, tive a honra de assinar a maquiagem, a direção de arte e a produção (afinal, cinema independente não é fácil!).
M.V.: E quanto a arrependimentos? Ou, caso não tenha, faria algo diferente?
A.A.: Sobre os arrependimentos, não vou negar que eles existem. Um problema de trabalhar com o que se ama é que, muitas vezes, nos submetemos a condições terríveis, e eu aprendi isso da pior maneira. Foram muitos trabalhos pelos quais não tive retorno financeiro: fui contratada e não me pagaram, mesmo quando meus gastos foram muito maiores do que o valor combinado.
Tudo serviu de aprendizado, e por isso não faria diferente do que fiz. Mas hoje tenho mais cuidado, não pelo dinheiro em si, mas porque acredito na valorização da arte, não apenas como hobby, mas como profissão. Nós, que trabalhamos com arte, precisamos exigir reconhecimento profissional.
7) Para finalizar, deixe uma frase ou pensamento envolvendo o cinema que representa você.
A.A.: “Aconteça o que acontecer, nunca pare de gravar.” [REC]
M.V.: Muito obrigado. Sucesso para você.
A.A.: Gostaria de agradecer o espaço e parabenizar pelo trabalho! Sucesso, sempre e que possamos nos fortalecer sempre.
M.V.: Obrigado, foi um grande prazer. A gente se vê nos filmes.