Entrevista com Fabíola Buzim


Atriz e jornalista nascida em Vitória (ES), iniciou sua trajetória no teatro de rua em 1997 e, em 2000, ingressou no curso de Artes Cênicas da UFOP, onde também atuou como repórter de Arte e Cultura no jornal da universidade. De volta a Vitória em 2004, teve seu primeiro contato com o cinema nos curtas "A Fuga" e "PS: Post Scriptum". Nos anos seguintes, participou de diversas produções, como "Milagres", "Azulzinho" e "João", além de iniciar a graduação em Jornalismo e lecionar na FAFI e em oficinas da Secult.

No teatro, destacou-se com os espetáculos "Um forte cheiro à maçã" e "A Menina", este último premiado como melhor atriz e direção no ES e apresentado em teatros renomados do Rio de Janeiro. No cinema nacional, estreou em 2010 no longa "Não se Preocupe, Nada Vai Dar Certo" e fez uma participação na novela "Fina Estampa" (TV Globo) em 2011. Em 2012, atuou em "Punhal" e "Entreturnos". Atualmente, é sócia da Fabulanas Produção Artística e Comunicação, dedicada a projetos no teatro e no cinema.


Vamos às 7 perguntas capitais:


1) É comum lembrarmos com carinho do início da nossa relação com o cinema. Os filmes ruins que nos marcaram, os cinemas frequentados (que hoje, provavelmente, estão fechados), as extintas locadoras de VHS e DVD que faziam parte do nosso cotidiano. Conte-nos um pouco de como é sua relação com a 7ª arte. Quando nasceu sua paixão pelo cinema? 

F.B.: O cinema sempre foi o meu escape para meus momentos de solidão. Era comum eu matar aula (época do ensino médio) para ir ao Cine São Luiz ou Cine Paz no Centro de Vitória. Peguei essa época de cinemas de rua. As salas eram enormes e nas sessões da tarde quase sempre estavam vazias, e eu adorava essa sensação de estar só ocupando aquele espaço, me sentia privilegiada. Foram muitos filmes que assisti assim, desde os filmes da Xuxa e dos Trapalhões (risos), que foram um acontecimento no Brasil, com uma bilheteira incrível, aos filmes mais 'cults' que eu assistia no Cine Metrópolis no campus da Ufes.



Minha iniciação foi com filmes mais comerciais, eu só fui ter acesso a um cinema mais experimental, cult, depois que comecei a cursar Artes Cênicas, a frequentar festivais de cinema, coisas assim. Não foi um dos primeiros, mas com certeza o Claudio Assis, com seu “Amarelo Manga”, mexeu muito comigo, com minha atriz e a vontade de fazer um cinema visceral. Ele é um chato, o conheci anos depois, mas o acho genial. O filme que sempre que assisto e me emociona é Cine Paradiso do Giusepe Tornatore, Fale com Ela do Almodóvar e Como Água para Chocolate do Alfonso Arau.


2) Com relação às suas preferências cinematográficas, há uma lista dos filmes de sua vida? Um Top 10 ou mesmo o filme mais importante? 

F.B.: Difícil, hein! Vou pela emoção, tá?

M.V.: Manda ver.

F.B.: Bom, “Fale com ela” sempre me emociona. Já assisti umas 15 vezes, sempre acho lindo, gosto demais da trilha, das cores, fotografia, tudo me encanta nesse filme. Tem um do Arturo Ripstein, “O lugar sem limites”, que assisti recentemente e com certeza entrou nesses filmes que me marcam. Fala sobre um travesti, Manuela, que vive num vilarejo de um México de 1974. É maravilhoso!


Com certeza, o “Central do Brasil”, principalmente como referência de atuação, a Fernanda Torres, né? O filme é ela com certeza. “O Padre”, de Antonia Bird, sobre um padre que vai trabalhar numa paróquia e fica no dilema de sua sexualidade e vocação. Talvez porque foi um filme proibido na época, e eu consegui ir assistir, mesmo sendo adolescente (risos), me marcou demais a experiência. É uma pergunta cruel, tá?

M.V.: Demais. Por isso fiz uma listinha básica para responder sem pensar. Se fosse de cabeça, talvez sairia uma lista diferente a cada vez.


3) "Eu queria ser arrebatada, amordaçada e, nas minhas costas, tatuada" é um curta com temática e cenas bem fortes.  A produção foi premiadíssima, inclusive fora do Brasil, como Hungria, Espanha e Rússia. Como foi sua preparação para o papel e, em especial, as cenas mais difíceis?

F.B.: De um modo geral, quando me perguntam sobre isso, as pessoas sempre estão meio que se referindo às cenas de nudez, sexo, não sei, sempre percebo esta curiosidade na preparação dessas cenas. Mas nesse processo, com certeza, a nudez e cenas de sexo nunca me foram um problema. Sou muito consciente com relação ao meu corpo e voz como instrumentos de trabalho. Sou atriz, né? 

Talvez eu até tenha me "protegido" pouco na carreira, fiz alguns filmes com nudez, e sempre com um olhar masculino sobre o corpo da mulher, esta é uma questão que tenho pensado muito, mas sou bastante livre, acho que é isso, com relação ao meu corpo e em colocá-lo a serviço do personagem, para que o personagem ganhe, mesmo que eu tenha que "perder" (num sentido de às vezes não me proteger numa fotografia, não pensar muito nisso).


O Andy foi um diretor divisor de águas para mim e uma porta de entrada para uma atuação mais madura, consciente, libertadora. Ele foi muito parceiro, cuidadoso e isso só me deu mais liberdade e disponibilidade para o trabalho. Gosto muito do resultado do trabalho. O René Guerra foi meu preparador e veio com um olhar e uma sensibilidade que, de certa forma, ajudaram a tirar o estereótipo de interpretar uma prostituta. Porque vamos combinar, bêbados e prostitutas originais é coisa rara no mercado, né? 

Difícil de fazer, porque é um caminho fácil, aparentemente, e é aí que mora a armadilha. Com certeza, meu desafio foi tentar sair disso e fazer uma Silvana o mais humana possível. Os prêmios, ao meu ver, não são o mais importante disso tudo, digo na minha verdade e crença de que os festivais de alguma forma ainda seguem uma lógica comercial de promoção e eleger os melhores sempre me remete à primeira série do Ensino Fundamental, quando a tia dizia que seu desenho tinha ficado bonito, sabe? 

Uma aprovação. Mas, por outro lado, dentro desse sistema que estamos, não deixa de ser um espaço de reflexão e funciona como um alerta de que, de alguma forma, estou num caminho bacana.


A sua atuação é irrepreensível. As cenas de nudez não são vulgares ou gratuitas. Estão completamente relacionadas à história contada.  Porém, vivemos uma sociedade hipócrita, que trata o sexo como tabu. O próprio Andy Malafaia teve sua página do Facebook denunciada na época por postar o pôster do filme. Como o sexo é algo cotidiano, como você, artista, lida com esta censura hipócrita (pelo menos virtual)?

M.V.: Esta situação é cercada de uma hipocrisia sem fim. Passou da época de nudez ser um problema. 

F.B.: Ah, eu acho um absurdo, em pleno 2020, as pessoas ainda terem medo de verem piru e perereca (risos). Olha, acho isso de uma “carretagem” sem fim, uma demonização do nosso corpo. Por que a malícia está no olhar de quem vê muitas vezes. Acho uma hipocrisia também, porque há outros lugares em que isso é permitido e principalmente na “objetificação” do corpo feminino. 

E essa, na verdade, tem sido minha reflexão ultimamente e sim, nesse sentido, ver as produções com outro olhar, sobre como nesse período todo, nós, mulheres (cis, trans ou qualquer personagem que remeta ao feminino) somos retratadas. Como eu disse, eu sou bastante disponível, não tenho questões com minha nudez, mas hoje já fico atenta aos roteiros que me chegam e como retratam o personagem feminino que vou interpretar.


4) "A vida é uma peça de teatro que não permite ensaios." Por isso, cante, chore, dance, ria e viva intensamente, antes que a cortina se feche e a peça termine sem aplausos." Considerando a reflexão, há alguma experiência vivida no meio artístico que foi especialmente marcante?

F.B.: Aff, essa história vai queimar meu filme, mas rolou no set do “Não se preocupe, nada vai dar certo” do Carvana. Fui indicada por uma amiga e nem cheguei a fazer teste. Era uma produção com um elenco de estrelas, o Carvana tinha isso, né? 

Os filmes dele são encontros de grandes amigos. Fui fazer a "Senhora 2" (risos) e eu super me zoei quando peguei o roteiro, essa coisa do nome do personagem, meu primeiro papel no cinemão nacional nem tinha nome (gargalhadas). A única coisa que me consolava era que a Senhora 3 era a Maria Gladys, ou seja, uma grande bobeira da minha cabeça, até porque eu estava num set do Hugo Carvana, puxa!


Eu estava muiiiito nervosa. Tinha o Gregório Duvivier, acho que foi numa época dele deslanchando, sabe? Como eu disse, estava muito nervosa e, na hora de gravar a cena com o Tarcisio, a Ângela e Gregório, o Carvana deu ação e eu tinha que dar meu texto, uma passagem boba, e no meio da cena eu simplesmente gritei (gritei!). CORTA!!!

O povo parou, e você sabe como é, né? Na hora a galera até disfarça, mas depois é “zoação” (risos).  Puxa, eu sentia a vergonha escorrer na minha cara e eu já tinha feito uns 8 filmes (curtas) e sabia da dinâmica, sabia meu lugar como atriz ali, mas sei lá... Veio uma pessoa me dizer que quem gritava "corta" era o diretor! (Gargalhadas)

Depois, o Carvana conversou comigo, me acalmou, foi lindo. Só por isso valeu demais esse mico (risos). Mas reza a lenda de que sou comentada até hoje nos sets da vida. O povo só fica meio na dúvida da identidade da atriz, mas agora... Enfim, é isso.


5) Imagine o cenário: você é uma atriz (de qualquer país) no set de filmagem de um filme memorável. Qual seria a atriz, em qual filme, e por que essa experiência seria tão marcante para você?

F.B.: Aff, é clichê, mas com certeza a Audrey Hepburn no “Bonequinha de luxo”. É divertido demais esse filme, amo a história da Holly, o vizinho chato japonês (risos). E, outra Audrey, a Tautou, no Fabuloso destino de Amélie Poulain... quem nunca? (risos).


6) Fazer cinema envolve muitas variáveis. Esforço, investimento, paixão, talento... E a sinergia destes elementos faz o resultado. Qual trabalho em sua carreira considera o melhor?

F.B.: Com certeza o “Eu queria ser arrebatada, amordaçada e, nas minhas costas, tatuada” do Andy e agora recentemente o “Depois” do Marcello Quintela e Boynard, e o motivo é bem claro para mim. Foram trabalhos em que atuei com amadurecimento, sem medo dos julgamentos, sem muito medo de errar e em tempos diferentes. Sou grata por todos os filmes que fiz (até agora, 3 longas e 12 curtas) e por todos os diretores com quem trabalhei. Muitas lições foram aprendidas e me fazem ser a atriz que sou hoje.

M.V.: E quanto a arrependimentos? Ou, caso não tenha, faria algo diferente?

F.B.: Arrependimento? O curta João, do Carlos Augusto Oliveira (ele dirigiu Olhos Mortos, maravilhoso!). E eu realmente sinto vergonha da forma como atuei neste filme. Eu não tinha paleta para a intensidade da personagem e, quando vi, assisti 10 anos depois (!!). No Festival de Vitória em 2015, eu quase morri! O filme demorou muito a ficar pronto. Eu lamento, porque é uma história incrível, mas eu realmente não estava pronta. Foi um aprendizado.


7) Para finalizar, deixe uma frase ou pensamento envolvendo o cinema que representa você.

F.B.: Eita! “Bom, tenho duas: ‘O cinema é arte da espera’, não sei a autoria, mas sempre que estou esperando em set para atuar lembro-me dela. Mas é a parte que mais me fascina. Como o cinema é agregador, uma arte realmente coletiva, e sim, temos os tempos da equipe de produção, fotografia, luz, maquinário, etc. Por isso, acho tão interessante atuar para cinema, é manter uma chama acesa, sabe? Você espera para entrar em cena e entra e tem que ser fatal, pronto! Gosto disso.

A outra é uma do Hitchcock, diz assim: ¨... a duração de um filme deveria ser proporcional à necessidade do homem de ir ao banheiro” (risos), lembro dela quando dá vontade de dar uma fugidinha da sala para o banheiro. Não rola, você perde demais.

 M.V.: (Risos) Verdade. Cada segundo conta. Grande abraço e a gente se vê nos filmes.

 

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