1) É comum lembrarmos com carinho do início da nossa relação com o cinema. Os filmes ruins que nos marcaram, os cinemas frequentados (que hoje, provavelmente, estão fechados), as extintas locadoras de VHS e DVD que faziam parte do nosso cotidiano. Conte-nos um pouco de como é sua relação com a 7ª arte. Quando nasceu sua paixão pelo cinema?
I.P.: Sempre fui fascinado pela arte de contar histórias. Quando criança, passava horas brincando com meus bonecos Comandos em Ação, criando as aventuras mais inusitadas no universo do meu quarto. Sou da geração do VHS, mas lembro de frequentar os cinemas da Praça Saens Peña e da clássica Cinelândia, no Rio de Janeiro, onde tive meu primeiro contato com o cinema. No entanto, a paixão surgiu de fato em 1992, quando meu pai me levou para fazer um teste para a novela Amazônia, da extinta TV Manchete e eu passei!
No meio de mais de quatrocentas crianças, fui escolhido para interpretar o filho do ator Raul Gazolla na trama. Lembro perfeitamente da primeira vez que entrei em um set de filmagem e vi como toda aquela magia acontecia: pessoas, cenários, figurinos e luzes trabalhando em conjunto para um único momento ser captado pelas lentes e transmitido para todo o Brasil. Essa experiência me marcou profundamente. Até hoje, ao entrar em um estúdio, ainda lembro do cheiro peculiar da madeira dos cenários, algo que ficou gravado em mim desde então. Em paralelo, minha paixão por cinema, games e desenhos animados alimentou um carinho especial pela animação.
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Sempre gostei de desenhar, mas descobri que me saía melhor esculpindo. Comecei a criar meus próprios personagens e, na animação em stop motion, vi a oportunidade de construir miniaturas dos cenários que me encantavam na infância, e ainda contar histórias com bonecos, como fazia no meu quarto. Na faculdade UniCarioca, cursei Design com especialização em Animação. Lá, fundei o núcleo AnimaCarioca e participei de diversos projetos acadêmicos, formando-me com uma monografia sobre o tema.
Após a graduação, tentei atuar no mercado de animação no Brasil, mas as oportunidades eram escassas, geralmente limitadas à animação 2D. Realizei alguns trabalhos profissionais como escultor e até produzi uma campanha usando stop motion, mas as chances de exercer essa paixão eram raras. Foi então que me voltei para uma alternativa que estudava em paralelo: a edição. Era uma rotina parecida, muitas horas de trabalho solitário, que aprendi por necessidade, para montar meus primeiros projetos. Nunca fiz curso de edição; aprendi com a ajuda de um grande amigo, que me ensinava os comandos via rádio Nextel, ele da casa dele, eu da minha. Comecei ajudando meu pai em alguns trabalhos, depois passei por algumas produtoras, até chegar à TV Globo, onde trabalho há 10 anos.
2) Com relação às suas preferências cinematográficas, há uma lista dos filmes de sua vida? Um Top 10 ou mesmo o filme mais importante?
I.P.: Muitos filmes foram fonte de inspiração para a minha vida e carreira. Acredito que o cinema tem esse poder: além de entreter, ele nos apresenta universos que talvez jamais conheceríamos em nosso cotidiano. Um filme que, para mim, resume perfeitamente isso é Cinema Paradiso, que me representa naquela criança que se apaixona pelo cinema na infância e guarda com carinho essa arte no coração.
3) "Nossas vidas são definidas por oportunidades, mesmo as que perdemos.", diria Benjamin Button em seu filme. O caminho até o eventual sucesso não é fácil, principalmente na concorrida Indústria Cinematográfica. Conte como é trabalhar na edição de projetos. Como você vê o reconhecimento desta área no Brasil?
I.P.: A edição é uma arte invisível, quando é bem-feita, simplesmente não aparece. Acredito que o cinema passa por três etapas principais no processo de contar histórias: a história concebida pelo autor, traduzida pelo diretor no set, e, por fim, moldada na ilha de edição, onde ganha forma e ritmo. Entre essas três fases, tudo pode mudar. Já vivi experiências em que a ideia original foi completamente transformada na edição, e colegas como o renomado Daniel Rezende também passaram por isso.
O filme Tropa de Elite, por exemplo, foi completamente reestruturado na sala de edição, a ponto de transformar o Capitão Nascimento no protagonista de um roteiro que originalmente não era centrado nele. Ainda assim, a edição segue como uma arte invisível: poucos, inclusive entre profissionais da área, têm real noção da responsabilidade e do impacto que é montar um filme.
M.V.: Sim. Quem trabalhou no filme As Aventuras de Tom Jones afirmou que o resultado inicial era intragável, mas que ele foi completamente transformado e salvo na ilha de edição. O filme acabou vencendo o Oscar de Melhor Filme.
I.P.: Diariamente, temos uma pedra bruta nas mãos, que, se lapidada da forma correta, pode se tornar uma linda joia. Mas, se o trabalho for mal conduzido, ela se quebra, e o que resta são apenas os cacos. Ilha de Ferro foi um projeto em que eu e os demais editores tivemos grande liberdade criativa para propor soluções na edição.
O diretor Afonso Poyart trouxe uma linguagem muito marcada pelo universo dos videoclipes, o que ficou evidente na estética da obra e nos deu um volume generoso de material e opções. Esse espaço criativo nos permitiu experimentar bastante, especialmente nas cenas de ação e nas sequências de alucinação dos personagens. Foi um processo desafiador, mas também muito rico, onde a montagem teve papel fundamental na construção do ritmo e da atmosfera da série.
M.V.: Pensa em migrar para a direção de longas?
I.P.: Sim, é um desejo meu dirigir um longa-metragem há muitos anos. Ao longo da minha carreira como editor, venho realizando projetos como diretor, incluindo campanhas publicitárias, videoclipes, filmes institucionais e diversos outros trabalhos audiovisuais. Atualmente, estou aproveitando o período de quarentena devido à pandemia do coronavírus para revisar o segundo tratamento do meu longa, que, se Deus quiser, estarei filmando em breve.
4) Imagine o cenário: você é um diretor (de qualquer país) no set de filmagem de um filme memorável. Quem seria, em qual filme, e por que essa experiência seria tão marcante para você?
I.P.: Esse é um poder digno de super-herói, hein? Que maravilha! Eu poderia citar os grandes clássicos dos primórdios do cinema, como os de Georges Méliès, ou ainda a era de ouro dos musicais de Hollywood nos anos 1950. Mas se eu tivesse esse superpoder, não gostaria de ver pelos olhos dele, queria estar ao lado e dar um super abraço no Sr. Walt Disney.
Seria fantástico poder agradecer não apenas pela imensa contribuição ao cinema de animação, mas por todo o universo que ele criou. Nem consigo imaginar como o mundo seria mais triste se esse diretor não tivesse passado por aqui. Para mim, ele é um dos maiores exemplos de diretor-empreendedor que já existiram, e o legado que deixou continua a movimentar intensamente a indústria do entretenimento no mundo todo.
5) Fazer cinema envolve muitas variáveis. Esforço, investimento, paixão, talento... E a sinergia destes elementos faz o resultado. Qual trabalho em sua carreira considera o melhor?
I.P.: Ao longo da minha trajetória, tive o orgulho de trabalhar com ótimos diretores e de realizar belíssimos projetos. Entre essas obras, tenho um carinho muito especial pela parceria com o diretor Luiz Fernando Carvalho. Ele é um grande mestre para mim e teve participação ativa no meu desenvolvimento profissional como editor e diretor.
Logo na primeira obra que realizei ao lado dele, Alexandre e Outros Heróis, de Graciliano Ramos, concorremos ao Emmy Internacional. Em seguida, tive o prazer de liderar equipes com grandes editores em todos os demais trabalhos do Luiz, até sua saída da TV Globo. Fizemos a novela Meu Pedacinho de Chão, que considero, esteticamente, uma das obras-primas da televisão brasileira. A produção venceu diversos prêmios, e, logo depois, veio Velho Chico, que trouxe linguagem cinematográfica para o horário das 21h na TV Globo.
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Certa vez, conversando com o Luiz, ele me disse: "Eu não faço distinção estética entre produzir séries, filmes ou novelas. Meu compromisso é entregar o melhor ao público." E, de fato, esse era o espírito: fazer o melhor, independentemente da limitação de se colocar um capítulo de 50 minutos no ar por dia. Era um trabalho imenso, que envolvia todos os departamentos. Na edição, mesmo com uma equipe de nove editores me auxiliando, cheguei a trabalhar mais de 24 horas ininterruptas para entregar alguns capítulos no ar.
Mas, entre todos os trabalhos que me trouxeram orgulho, a última obra que realizei com Luiz Fernando, Dois Irmãos, foi o projeto mais maduro da minha carreira. Foi emocionante ver, impresso naquela obra, todo o aprendizado que acumulei ao longo do tempo ao lado dele. Dois Irmãos é um caleidoscópio de um Brasil manauara que atravessa o tempo, contado pelas deliciosas palavras de Milton Hatoum e pelas interpretações geniais de um elenco impecável.
O processo de edição também foi intenso: tive a oportunidade de editar praticamente sozinho, propondo diversas soluções ao Luiz na ilha de edição. Mudamos a abertura, o final, e muitas cenas foram criadas e descartadas na montagem. As narrações presentes em toda a história foram, originalmente, gravadas pelo próprio Luiz, que testava variações do texto escrito diretamente durante o processo de edição.
Foi mais uma parceria maravilhosa. O último dia de edição de Dois Irmãos durou 28 horas ininterruptas, encerrando uma jornada de aprendizado, entrega e muito orgulho pelas obras que construímos juntos.
M.V.: E quanto a arrependimentos? Ou, caso não tenha, faria algo diferente?
I.P.: Quanto ao que me arrependo, acredito que, no início da minha carreira, durante o intenso processo de edição e a responsabilidade de liderar uma grande equipe em meio a uma rotina muitas vezes estressante, posso ter sido mal interpretado em minha busca incessante pela excelência. Com a maturidade adquirida ao longo dos anos e dos projetos, fui transformando esse comportamento. Passei a valorizar não apenas os aspectos artísticos e técnicos do trabalho, mas também a importância das relações humanas dentro da equipe, incentivando um ambiente mais empático, colaborativo e saudável.
6) "A vida é uma peça de teatro que não permite ensaios. Por isso, cante, chore, dance, ria e viva intensamente, antes que a cortina se feche e a peça termine sem aplausos". Considerando a reflexão, há alguma experiência vivida no meio artístico que foi especialmente marcante?
I.P.: Sem dúvida, uma das histórias mais interessantes que vivi até hoje foi minha jornada em Los Angeles. Depois do sucesso de Meu Pedacinho de Chão, Luiz Fernando Carvalho me presenteou pelo desempenho: ganhei uma bolsa de estudos para estudar cinema por dois meses em Hollywood. Era um sonho antigo que eu considerava quase impossível de realizar.
Venho de uma família humilde. Minha mãe foi professora a vida inteira em uma pequena escola, onde estudei com bolsa. Meu pai também trabalhou como diretor no mercado audiovisual, mas enfrentou muitos altos e baixos ao longo da carreira, o que nunca nos proporcionou a estabilidade necessária para que esse sonho se tornasse viável. Por isso, quando a oportunidade surgiu, foi simplesmente maravilhoso, lá fui eu viver meu sonho americano.
No entanto, a bolsa cobria apenas estadia, curso e uma ajuda de custo para alimentação. Quem conhece cinema sabe: qualquer filme, por mais simples que seja, custa caro. Eu viajei com o dinheiro contado para passar oito semanas gastando em dólar. Durante o treinamento, produzíamos um curta por semana, e eu não fazia ideia dos custos extras que teria para realizar esses filmes. O pouco dinheiro que levei foi se esgotando semana após semana, e no final do curso eu ainda teria que produzir meu curta de conclusão.
Alguns colegas de turma tinham muitos recursos, gente que investiu pesado em equipamentos e até contratou equipe para realizar seus filmes. Eu, sem recursos, tive que fazer absolutamente tudo: escrever, iluminar, filmar, dirigir, editar... Contava apenas com a ajuda de dois colegas do próprio curso, que me davam uma força.
Escrevi então um roteiro bem enxuto, com maioria de cenas externas, aproveitando, é claro, o cenário da bela cidade de Los Angeles. Até então, meus curtas haviam sido rodados dentro da cidade cenográfica da Universal Studios e nas instalações da escola. Porém, uma semana antes da gravação do curta final, fui informado de que todo lugar fora da escola exigia pagamento para filmagem.
Com o orçamento completamente esgotado, tive apenas uma semana para pensar em um filme que pudesse ser inteiramente rodado dentro do quarto onde eu morava, na sala onde estudava (porque nem nas demais dependências da escola era permitido) e na garagem do condomínio onde eu estava hospedado, nas outras áreas, filmar também era ilegal. Confesso que meia dúzia de takes foram feitos na ilegalidade mesmo.
Assim surgiu meu curta: uma homenagem aos clássicos do Film Noir, gênero que sempre admirei e que me permitia criar algo barato, esconder elementos nas penumbras estéticas e filmar com apenas 400 dólares, valor doado por um amigo rico, colega de classe, que acabou virando um dos "produtores" do filme.
Para minha surpresa, o curta foi eleito um dos melhores da classe, e me formei com a maior nota, mesmo sem ter a estrutura dos meus colegas. Até hoje, essa é uma das histórias das quais mais me orgulho. As dificuldades não foram capazes de impedir meu sonho, nem de me impedir de alcançar um bom resultado.
7) Para finalizar, deixe uma frase ou pensamento envolvendo o cinema que representa você.
I.P.: Como uma boa criança nascida nos anos 80, fã de animação e filmes de fantasia, eu digo: "May the force be with you"
Porque é essa força, de acreditar no bem, que é possível realizar nossos sonhos, e que tudo que você faz com amor prospera, que acredito que mais me representa. Sou movido por amor, e essa para mim é a maior força!
M.V.: Obrigado. Foi um prazer.
I.P.: Obrigado Marcus pela oportunidade da entrevista. Um grande abraço.