Entrevista com Eduardo Torelli
Eduardo Torelli nasceu na cidade de São Paulo, em 1970. Formado em 1993, é jornalista e editor das revistas Zoom Magazine e Áudio & Vídeo – Design e Automação, voltadas aos segmentos de produção audiovisual e equipamentos de áudio e vídeo Hi-End. Também colaborou com as revistas SET – Cinema & Vídeo (Editora Peixes) e Herói (Editora Conrad).
Em 1999, foi editor da revista Sci-Fi News (67 Editora), especializada no segmento de ficção científica. Além dessas publicações, teve artigos publicados em outras revistas, como Sexy (Editora Peixes), Putz (Companhia de Revistas) e Replicante (Editora Brainstore). Também foi um dos colaboradores do CD-ROM Enciclopédia Herói (Editora Acme/Publifolha).
Vamos às 7 perguntas capitais:
1) É comum lembrarmos com carinho do início da nossa relação com o cinema. Os filmes ruins que nos marcaram, os cinemas frequentados (que hoje, provavelmente, estão fechados), as extintas locadoras de VHS e DVD que faziam parte do nosso cotidiano. Conte-nos um pouco de como é sua relação com a 7ª arte. Quando nasceu sua paixão pelo cinema?
E.T.: Acho que essas coisas já nascem com a gente. Elas simplesmente se manifestam em algum ponto da vida (para alguns, mais cedo). Antes mesmo de aprender a ler, eu já tinha essa ligação com o audiovisual. Fui assistir ao primeiro Guerra nas Estrelas no cinema, em 1977 ou 1978, e minha mãe teve que ler as legendas para mim.
O cinema e a TV, de certa forma, complementaram meu processo de alfabetização, pois minha leitura e escrita evoluíram rapidamente, ainda na infância, graças ao hábito precoce de ler livros e gibis baseados nos filmes de que mais gostava (sim, já existiam os merchans e tie-ins no começo dos anos 70).
Enfim, as pessoas têm uma necessidade de escapismo, que as ajuda a contrabalançar o lado mais prático, e menos saboroso, da vida. Alguns jogam, outros bebem, há quem colecione selos... Nossa “pinga” é o cinema.
2) Tyler Durden disse em Clube da Luta: "As coisas que você possui acabam possuindo você". Ser colecionador é algo que se encaixa neste conceito, já que você se torna escravo do colecionismo. Coleciona filmes, CDs ou algo relacionado à 7ª arte?
E.T.: Já fui um colecionador hardcore. No tempo das fitas de vídeo (VHS), cheguei a ter uma filmoteca composta apenas por títulos originais, nunca comprei nada pirata, não por moralismo, mas pela baixa qualidade desses produtos. Meu acervo chegou a ter cerca de 2 mil fitas e, à época, foi tema de uma matéria publicada na revista Vejinha São Paulo, ao lado dos acervos de outros colecionadores.
Então vieram o LaserDisc e o DVD, e tudo mudou. Ficou claro que nunca haveria uma plataforma de conteúdo definitiva; que sempre seria necessário migrar para outro tipo de mídia ou tecnologia. Desde então, a contragosto, adotei o DVD, mas passei a adquirir apenas os títulos que realmente me interessavam.
Costumo assistir ao filme primeiro no cinema, no Now ou na Netflix. Se me interessar (e se eu achar que merece entrar para a minha coleção), compro a versão em DVD. Tenho um player de Blu-ray em casa, mas quase não o utilizo, pois possuo menos de dez títulos nesse formato. Também tenho meu próprio projetor de filmes e compro muitos livros sobre cinema, meu passatempo predileto.
Acho que meu lado "colecionador" termina aí. Não sou de comprar bonecos, esculturas, canecas ou camisetas inspiradas em filmes. Meu interesse nessas coisas é mais cerebral do que visceral.
3) Os seus livros "Quando os Macacos Dominavam a Terra" e "Sexo, Glamour & Balas" documentam cinesséries populares. Ele veio para suprir uma lacuna sobre o tema? E em que momento essa ideia tomou forma?
E.T.: Os livros que publiquei se enquadram em um nicho de publicações bastante tradicional nos Estados Unidos e na Europa, mas que só agora começa a despontar por aqui: ensaios sobre filmes que não se concentram exclusivamente nas obras em si, mas em todo o contexto sociocultural que as envolve.
O sucesso de um filme, via de regra, está atrelado aos valores que ele professa e à época em que foi realizado. Star Wars e o Planeta dos Macacos original foram grandes sucessos de bilheteria nos anos 1960 e 1970 porque tangenciavam temas “quentes” da época, como a corrida espacial, a corrida armamentista e a Guerra Fria. É fascinante dissecar um filme e identificar os pontos do roteiro e da realização que ecoam esses assuntos.
Da mesma forma, é um barato estudar política externa por meio dos filmes de James Bond, que mostram como a relação entre Oriente e Ocidente evoluiu ao longo dos últimos 50 anos. No início, 007 era um combatente da China Vermelha e da Rússia, pois os primeiros filmes foram produzidos em plena Guerra Fria. Mais tarde, com o relaxamento das tensões entre países capitalistas e socialistas, os inimigos do herói passaram a ser extremistas e terroristas. Enfim, trata-se de uma análise muito prazerosa de fazer, e de ler.
Quanto à produção dos livros, utilizei bastante material de pesquisa próprio (recortes de jornal que colecionei ao longo dos anos, além de monografias e publicações centradas nos mesmos temas). Posso garantir que, naquela época, sem internet, a pesquisa tinha muito mais qualidade. O autor se apoiava em fontes bem mais fidedignas para “cozinhar” seu próprio texto.
4) "A vida é uma peça de teatro que não permite ensaios. Por isso, cante, chore, dance, ria e viva intensamente, antes que a cortina se feche e a peça termine sem aplausos". Considerando a reflexão, há alguma experiência vivida no meio artístico que foi especialmente marcante?
E.T.: Fui crítico e ensaísta de cinema durante 15 anos, nas revistas Herói e SET, e posso dizer que amei escrever cada resenha e cada texto que produzi. Mas nunca ganhei dinheiro com isso, jamais paguei as contas escrevendo sobre cinema. Isso é a prova de que fazia esse trabalho por amor.
Sem nenhuma demagogia, a experiência que mais me marca é quando alguém tão jovem quanto você me escreve pedindo uma entrevista, uma opinião ou um parecer sobre o assunto. Isso significa que, em algum momento, o meu trabalho fez diferença na vida dessa pessoa. E que talvez meus textos tenham contribuído para alimentar sua paixão por um tema que também me fascina.
Cabe à sua geração manter essa roda em movimento, sempre com respeito por aqueles que prestam atenção às suas palavras. Isso não tem preço.
5) Com relação às suas preferências cinematográficas, há uma lista dos filmes de sua vida? Um Top 10 ou mesmo o filme mais importante?
E.T.: Oh, yeah, baby:
1) Ben-Hur (1959); 2) Os Inocentes (1961); 3) Perdidos na Noite (1969); 4) O Planeta dos Macacos (1968); 5) Três Homens em Conflito (1966); 6) Amargo Pesadelo (1972); 7) O Poderoso Chefão; 8) 007 Contra Goldfinger (1964); 9) Jesus Cristo Superstar (1973); 10) Os Caçadores da Arca Perdida (1981).
6) Fale um pouco sobre os seus próximos projetos.
E.T.: Tenho várias ideias para novos livros sobre cinema, embora ainda não saiba exatamente qual seria o foco principal desses projetos, acredito que isso dependeria, em grande parte, da linha editorial escolhida.
Tenho muita vontade de escrever algo sobre os filmes clássicos de terror da Universal, que ainda hoje impressionam pelo visual e atmosfera. Também gostaria de compilar todas as entrevistas que realizei com diretores brasileiros durante o período em que fui editor da Zoom Magazine.
Tive a oportunidade de conversar com nomes como Paulo Morelli (um dos fundadores da O2 Filmes), José Mojica Marins, Jayme Monjardim (uma das pessoas mais inteligentes e bem-educadas com quem já dialoguei), Mauricio de Sousa, Ruy Guerra, Tata Amaral... Enfim, daria para reunir um material riquíssimo sobre a evolução do cinema nacional, desde os tempos da contracultura até a chamada Retomada. Quem sabe?
7) Ao olhar para sua trajetória, qual aprendizado considera mais valioso e gostaria de compartilhar?
E.T.: Eu diria às pessoas que aproveitem a experiência do cinema em um nível que vá além do simples entretenimento e dos efeitos especiais. O cinema pode ser um excelente professor, se prestarmos atenção às histórias que ele tem para nos contar. Mesmo o filme mais fantasioso pode servir como veículo para ideias sofisticadas, capazes de nos ajudar a compreender melhor a nossa própria natureza e o mundo em que vivemos.
Muitas vezes, essas ideias passam despercebidas em uma animação da Disney ou em uma aventura de ficção científica simplesmente porque falta um olhar mais treinado para identificá-las. Mas elas estão lá, prontas para serem descobertas.
M.V.: Obrigado amigo. A gente se vê nos livros.